Na obra, microfones são os sensores que, devido a uma
programação prévia, identificam as intensidades sonoras e a partir daí provocam
as mudanças nas imagens. Quando os espectadores alcançam o nível sonoro mais
alto, suas próprias imagens são projetadas à sua frente. Dessa forma, eles
podem se ver em um momento de grande euforia e, finalmente, aplaudir a si
mesmos. Quem está do lado de fora pode observar quem está dentro, sem saber o
que está provocando os aplausos. Essa configuração acaba estimulando a participação
e a interação não só entre espectadores e obra mas, principalmente, entre
espectadores e espectadores. A obra se torna, assim, um rico espaço de
interlocução e relação entre pessoas que geralmente se ignoram, enquanto estão
em seus movimentos automáticos cotidianos.
No
processo de formatação de um espaço de recepção, percebemos que a configuração
coletiva estimula a instauração de uma rede de criação, na qual os indivíduos,
juntos, estabelecem um jogo de improvisação comportamental. Esse é o caso de Pare de me ignorar, que foi pensada como
um espaço de recepção coletiva, no qual os comportamentos se contaminam e se
estimulam. Diversas configurações foram
identificadas a partir das características dos espectadores performers que se juntavam no interior da instalação.
Uma das configurações mais recorrentes se aproxima de uma configuração típica
de jogos. Nesse tipo de situação, grupos disputavam quem produzia mais sons,
provocando os modelos projetados que desfilavam. Algumas situações eram protagonizadas
por grupos de pessoas que já se conheciam, mas muitas vezes desconhecidos se
juntavam em coro para estimular as mudanças comportamentais nos modelos
projetados. Essa inclusive é uma das principais características do espaço de
recepção configurado por esta obra: a formação de grupos efêmeros, compostos
por indivíduos que se descobrem parceiros de um jogo, a partir da proposta da
obra. Também foi possível observar entre os participantes um processo de
exploração do sistema dispositivo. Muitos espectadores
performers, ao perceberem que os sons produzidos por eles provocavam
mudanças nas imagens projetadas, começavam a procurar o dispositivo que
disparava tais mudanças, nesse caso, o microfone. Ao descobrirem o microfone,
posicionavam-se embaixo dele e intensificavam os sons emitidos: gritos, palmas
e assovios eram os mais comuns. Também tentavam se comunicar com os modelos,
geralmente através de gritos como: “Gostosa!”; “Tira a roupa!”; “Lindo!”; entre
outros.
O que
se observa no processo de produção e recepção de Pare de me ignorar é a configuração de uma situação laboratorial,
na qual a obra vai se desdobrando a partir da atuação dos agentes envolvidos
tanto na etapa de produção, quanto na etapa de recepção. A etapa de produção,
por exemplo, envolveu diversos profissionais. Suas atuações contribuíram para a
formatação final da obra, a partir de suas especialidades. Estevão Machado, designer e artista plástico, criou o
aspecto visual do projeto. Thiago Leão, produtor de moda, definiu o estilo dos
modelos. Os modelos escolheram seus gestos. Fernando Rabelo, responsável pela
montagem interativa, definiu limites e possibilidades. Sérgio Scliar, sound designer, estabeleceu a atmosfera
sonora. Todos dirigidos pela autora da obra, certa de seus objetivos com aquela
experiência, a partir de suas propostas de relações no espaço de recepção.


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