terça-feira, 18 de março de 2014

Pare de me ignorar – 2010

Pare de me ignorar (2010) foi a segunda instalação interativa desenvolvida durante o processo de pesquisa e produção e se apresenta como uma continuidade de Não sei ser rótulo. Dessa vez o espectador vai para o lugar da plateia, conseguindo provocar reações nas imagens projetadas através dos sons que ele emite. Ao entrar na instalação, ele se depara com um ambiente típico de desfiles de moda: cadeiras enfileiradas de frente para uma passarela. Nessa passarela, são projetados modelos em tamanho natural que, sem a interação dos espectadores, desfilam com o seu ar blasé habitual. Porém, quando os espectadores começam a aplaudir, vaiar, assoviar, ou emitir outros tipos de sons, os  modelos projetados reagem e começam a se comportar de forma cada vez mais performática, parando de ignorar a presença das pessoas que os assistem. Os níveis de interação vão desde um primeiro nível, quando os modelos ficam tímidos diante da presença dos espectadores, até um último nível, de maior intensidade sonora, quando os modelos se empolgam tanto que começam a tirar a roupa diante de sua plateia eufórica.




Na obra, microfones são os sensores que, devido a uma programação prévia, identificam as intensidades sonoras e a partir daí provocam as mudanças nas imagens. Quando os espectadores alcançam o nível sonoro mais alto, suas próprias imagens são projetadas à sua frente. Dessa forma, eles podem se ver em um momento de grande euforia e, finalmente, aplaudir a si mesmos. Quem está do lado de fora pode observar quem está dentro, sem saber o que está provocando os aplausos. Essa configuração acaba estimulando a participação e a interação não só entre espectadores e obra mas, principalmente, entre espectadores e espectadores. A obra se torna, assim, um rico espaço de interlocução e relação entre pessoas que geralmente se ignoram, enquanto estão em seus movimentos automáticos cotidianos.
No processo de formatação de um espaço de recepção, percebemos que a configuração coletiva estimula a instauração de uma rede de criação, na qual os indivíduos, juntos, estabelecem um jogo de improvisação comportamental. Esse é o caso de Pare de me ignorar, que foi pensada como um espaço de recepção coletiva, no qual os comportamentos se contaminam e se estimulam. Diversas configurações foram identificadas a partir das características dos espectadores performers que se juntavam no interior da instalação. Uma das configurações mais recorrentes se aproxima de uma configuração típica de jogos. Nesse tipo de situação, grupos disputavam quem produzia mais sons, provocando os modelos projetados que desfilavam. Algumas situações eram protagonizadas por grupos de pessoas que já se conheciam, mas muitas vezes desconhecidos se juntavam em coro para estimular as mudanças comportamentais nos modelos projetados. Essa inclusive é uma das principais características do espaço de recepção configurado por esta obra: a formação de grupos efêmeros, compostos por indivíduos que se descobrem parceiros de um jogo, a partir da proposta da obra. Também foi possível observar entre os participantes um processo de exploração do sistema dispositivo. Muitos espectadores performers, ao perceberem que os sons produzidos por eles provocavam mudanças nas imagens projetadas, começavam a procurar o dispositivo que disparava tais mudanças, nesse caso, o microfone. Ao descobrirem o microfone, posicionavam-se embaixo dele e intensificavam os sons emitidos: gritos, palmas e assovios eram os mais comuns. Também tentavam se comunicar com os modelos, geralmente através de gritos como: “Gostosa!”; “Tira a roupa!”; “Lindo!”; entre outros.
O que se observa no processo de produção e recepção de Pare de me ignorar é a configuração de uma situação laboratorial, na qual a obra vai se desdobrando a partir da atuação dos agentes envolvidos tanto na etapa de produção, quanto na etapa de recepção. A etapa de produção, por exemplo, envolveu diversos profissionais. Suas atuações contribuíram para a formatação final da obra, a partir de suas especialidades. Estevão Machado, designer e artista plástico, criou o aspecto visual do projeto. Thiago Leão, produtor de moda, definiu o estilo dos modelos. Os modelos escolheram seus gestos. Fernando Rabelo, responsável pela montagem interativa, definiu limites e possibilidades. Sérgio Scliar, sound designer, estabeleceu a atmosfera sonora. Todos dirigidos pela autora da obra, certa de seus objetivos com aquela experiência, a partir de suas propostas de relações no espaço de recepção.






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