domingo, 9 de março de 2014

Não sei ser rótulo – 2009



A primeira instalação interativa desenvolvida durante o processo de pesquisa aliada a um processo pessoal de produção artística, foi Não sei ser rótulo (2009), exposta em dois espaços totalmente distintos entre si: a galeria do Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte, já preparada para receber esse tipo de obra e a Praça da Estação, também em Belo Horizonte, lugar de múltiplas dinâmicas e usos sociais. Ao analisar as etapas de produção desta obra, constatamos um trabalho significativo de organização dos elementos que fazem parte de seu sistema dispositivo que inclui: a construção de um ambiente a partir da determinação de um percurso específico; a criação de um circuito fechado de vídeo com uma câmera posicionada no espaço interno e uma tela de televisão no espaço externo; e a programação de um sistema de rastreamento da presença do espectador, composto por duas web cams que se transformam em sensores de presença, possibilitando mudanças na projeção das imagens no interior do ambiente interativo. 





O principal objetivo foi transformar a obra em um espaço propício para trocas coletivas. Após a observação da sua experimentação pelos visitantes da galeria e pelos transeuntes da rua, pudemos verificar como este objetivo foi alcançado de uma maneira muito mais significativa pelo segundo público. Torna-se necessário então compreender porque este público, não acostumado com a recepção de obras artísticas, acabou apresentando uma relação mais significativa com a instalação, transformando-a efetivamente em um espaço de sociabilidade.

Para De Certeau (2009), a cidade está sempre nessa condição transitória, produzindo uma consciência de performance contínua do lugar. O ato de mover-se pela cidade já cria uma sensação de experiência social transitória. O espaço, como lugar praticado, admite a imprevisibilidade. De Certeau destaca o cotidiano como permanentemente inventado para permitir o fluxo da vida e aberto à criatividade. O autor sugere que o andar define o espaço de enunciação, evocando uma coleção inumerável de singularidades próprias da cidade, onde caminhos entrecruzados dão suas formas aos lugares.

O indivíduo que está em relação no cotidiano é produzido no ato de afetar e de ser afetado pelo outro através de materiais significantes, com os quais lida diariamente. Ele está constantemente suscetível ao acontecimento e ao imprevisível. Como espaço de dimensões objetivas e subjetivas, o cotidiano é lugar da constituição dos laços e da sociabilidade, tornando-se palco de uma teatralidade com cenas, atores e enredos que se repetem e se renovam.

Voltando à analise de Não sei ser rótulo, percebemos um processo significativo de estabelecimento de relações entre público e obra enquanto acontecia a sua exposição interventiva na Praça da Estação, dentro de uma grande caixa colorida de sete metros de largura, seis metros de comprimento e dois metros de altura. Nesse processo, o primeiro momento era justamente a constatação de que aquele espaço público estava diferente do habitual. Após a constatação de que seu cenário cotidiano havia sido transformado, muitos transeuntes se viam curiosos com relação àquela grande caixa instalada no meio do caminho para a casa, para a escola, o trabalho, etc. Aqueles que se aventuravam a entrar, deparavam-se com uma passarela, identificada por um tapete vermelho e com a projeção em tamanho natural de uma plateia entediada. Assim que começava a caminhar pelo tapete vermelho, o transeunte, que nesse momento já se transformava em um espectador performer, provocava uma reação na imagem da plateia, que começava a aplaudi-lo de forma cada vez mais eufórica, estimulada por seus movimentos.

Ao sair do ambiente interno da caixa, o espectador performer passava por uma nova surpresa. Outros espectadores, dessa vez pessoas que estavam passando e que se deparavam com a televisão do lado de fora da caixa exibindo seus movimentos, estavam efetivamente assistindo a este espectador que se tornava cada vez mais um performer. Foi possível observar durante o processo de recepção da obra dois tipos de mudanças principais nos comportamentos dos espectadores performers: no momento em que a imagem se alterava quando começavam a caminhar pelo tapete vermelho e no momento em que saíam da caixa, deparando-se com as pessoas que os assistiam. No caso desta instalação, eles se sentiam observados por duas plateias: a plateia formada pelas pessoas projetadas, que os estimulavam do lado de dentro e a plateia formada pelos espectadores que os observavam do lado de fora. Muitos deles, após descobrirem que estavam sendo assistidos pelos outros, entravam de novo na caixa, exibindo-se conscientemente e intensificando seus atos performáticos. A intenção era clara: impressionar essa plateia real, que por alguns segundos monitorava os movimentos de quem estava desfilando dentro da caixa. 




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