A primeira instalação interativa desenvolvida durante o processo de
pesquisa aliada a um processo pessoal de produção artística, foi Não sei ser rótulo (2009), exposta em dois espaços totalmente
distintos entre si: a galeria do Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte, já
preparada para receber esse tipo de obra e a Praça da Estação, também em Belo
Horizonte, lugar de múltiplas dinâmicas e usos sociais. Ao analisar as etapas
de produção desta obra, constatamos um trabalho significativo de organização
dos elementos que fazem parte de seu sistema dispositivo que inclui: a
construção de um ambiente a partir da determinação de um percurso específico; a
criação de um circuito fechado de vídeo com uma câmera posicionada no espaço
interno e uma tela de televisão no espaço externo; e a programação de um
sistema de rastreamento da presença do espectador, composto por duas web cams que se transformam em sensores
de presença, possibilitando mudanças na projeção das imagens no interior do
ambiente interativo.
O principal
objetivo foi transformar a obra em um espaço propício para trocas coletivas.
Após a observação da sua experimentação pelos visitantes da galeria e pelos
transeuntes da rua, pudemos verificar como este objetivo foi alcançado de uma
maneira muito mais significativa pelo segundo público. Torna-se necessário então
compreender porque este público, não acostumado com a recepção de obras
artísticas, acabou apresentando uma relação mais significativa com a
instalação, transformando-a efetivamente em um espaço de sociabilidade.
Para De Certeau
(2009), a cidade está sempre nessa condição transitória, produzindo uma
consciência de performance contínua do lugar. O ato de mover-se pela cidade já
cria uma sensação de experiência social transitória. O espaço, como lugar
praticado, admite a imprevisibilidade. De Certeau destaca o cotidiano como
permanentemente inventado para permitir o fluxo da vida e aberto à criatividade.
O autor sugere que o andar define o espaço de enunciação, evocando uma coleção
inumerável de singularidades próprias da cidade, onde caminhos entrecruzados
dão suas formas aos lugares.
O indivíduo que
está em relação no cotidiano é produzido no ato de afetar e de ser afetado pelo
outro através de materiais significantes, com os quais lida diariamente. Ele
está constantemente suscetível ao acontecimento e ao imprevisível. Como espaço
de dimensões objetivas e subjetivas, o cotidiano é lugar da constituição dos
laços e da sociabilidade, tornando-se palco de uma teatralidade com cenas,
atores e enredos que se repetem e se renovam.
Voltando à
analise de Não sei ser rótulo, percebemos
um processo significativo de estabelecimento de relações entre público e obra
enquanto acontecia a sua exposição interventiva na Praça da Estação, dentro de
uma grande caixa colorida de sete metros de largura, seis metros de comprimento
e dois metros de altura. Nesse processo, o primeiro momento era justamente a
constatação de que aquele espaço público estava diferente do habitual. Após a
constatação de que seu cenário cotidiano havia sido transformado, muitos
transeuntes se viam curiosos com relação àquela grande caixa instalada no meio
do caminho para a casa, para a escola, o trabalho, etc. Aqueles que se
aventuravam a entrar, deparavam-se com uma passarela, identificada por um
tapete vermelho e com a projeção em tamanho natural de uma plateia entediada. Assim
que começava a caminhar pelo tapete vermelho, o transeunte, que nesse momento
já se transformava em um espectador
performer, provocava uma reação na imagem da plateia, que começava a
aplaudi-lo de forma cada vez mais eufórica, estimulada por seus movimentos.
Ao sair do
ambiente interno da caixa, o espectador
performer passava por uma nova surpresa. Outros espectadores, dessa vez
pessoas que estavam passando e que se deparavam com a televisão do lado de fora
da caixa exibindo seus movimentos, estavam efetivamente assistindo a este
espectador que se tornava cada vez mais um performer.
Foi possível observar durante o processo de recepção da obra dois tipos de
mudanças principais nos comportamentos dos espectadores
performers: no momento em que a imagem se alterava quando começavam a
caminhar pelo tapete vermelho e no momento em que saíam da caixa, deparando-se
com as pessoas que os assistiam. No caso desta instalação, eles se sentiam
observados por duas plateias: a plateia formada pelas pessoas projetadas, que
os estimulavam do lado de dentro e a plateia formada pelos espectadores que os
observavam do lado de fora. Muitos deles, após descobrirem que estavam sendo
assistidos pelos outros, entravam de novo na caixa, exibindo-se conscientemente
e intensificando seus atos performáticos. A intenção era clara: impressionar
essa plateia real, que por alguns segundos monitorava os movimentos de quem
estava desfilando dentro da caixa.




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