O artista
mexicano Rafael Lozano-Hemmer possibilita trocas entre espectadores, seus corpos,
seus gestos, suas imagens e os espaços públicos, em propostas que apresentam
grandes complexidades técnicas, dentro da categoria “Arquitetura Relacional”.
Como a obra Body Movies, que transforma
o espaço público a partir de projeções de corpos em grande escala. Diversos
retratos fotográficos, previamente tirados nas ruas das cidades onde o projeto
é apresentado, são mostrados através de projetores controlados roboticamente.
Os retratos aparecem somente dentro das sombras projetadas pelas pessoas que interagem
com a instalação. Ao perceberem suas sombras projetadas em grande escala, estas
pessoas começam a se movimentar de forma performática, evidenciando seus gestos
umas para as outras. Esta obra proporciona uma interação entre corpo e espaço
público, entre corpo e imagem e entre corpos de transeuntes que se transformam
em espectadores e em performers a
partir do momento em que se relacionam com os dispositivos espaciais e
tecnológicos.
sexta-feira, 21 de março de 2014
terça-feira, 18 de março de 2014
Pare de me ignorar – 2010
Pare de me ignorar (2010) foi a segunda instalação interativa desenvolvida durante
o processo de pesquisa e produção e se apresenta como uma continuidade de Não sei ser rótulo. Dessa vez o
espectador vai para o lugar da plateia, conseguindo provocar reações nas
imagens projetadas através dos sons que ele emite. Ao entrar na instalação, ele
se depara com um ambiente típico de desfiles de moda: cadeiras enfileiradas de
frente para uma passarela. Nessa passarela, são projetados modelos em tamanho
natural que, sem a interação dos espectadores, desfilam com o seu ar blasé habitual. Porém, quando os
espectadores começam a aplaudir, vaiar, assoviar, ou emitir outros tipos de
sons, os modelos projetados reagem e
começam a se comportar de forma cada vez mais performática, parando de ignorar
a presença das pessoas que os assistem. Os níveis de interação vão desde um
primeiro nível, quando os modelos ficam tímidos diante da presença dos
espectadores, até um último nível, de maior intensidade sonora, quando os
modelos se empolgam tanto que começam a tirar a roupa diante de sua plateia
eufórica.
Na obra, microfones são os sensores que, devido a uma
programação prévia, identificam as intensidades sonoras e a partir daí provocam
as mudanças nas imagens. Quando os espectadores alcançam o nível sonoro mais
alto, suas próprias imagens são projetadas à sua frente. Dessa forma, eles
podem se ver em um momento de grande euforia e, finalmente, aplaudir a si
mesmos. Quem está do lado de fora pode observar quem está dentro, sem saber o
que está provocando os aplausos. Essa configuração acaba estimulando a participação
e a interação não só entre espectadores e obra mas, principalmente, entre
espectadores e espectadores. A obra se torna, assim, um rico espaço de
interlocução e relação entre pessoas que geralmente se ignoram, enquanto estão
em seus movimentos automáticos cotidianos.
No
processo de formatação de um espaço de recepção, percebemos que a configuração
coletiva estimula a instauração de uma rede de criação, na qual os indivíduos,
juntos, estabelecem um jogo de improvisação comportamental. Esse é o caso de Pare de me ignorar, que foi pensada como
um espaço de recepção coletiva, no qual os comportamentos se contaminam e se
estimulam. Diversas configurações foram
identificadas a partir das características dos espectadores performers que se juntavam no interior da instalação.
Uma das configurações mais recorrentes se aproxima de uma configuração típica
de jogos. Nesse tipo de situação, grupos disputavam quem produzia mais sons,
provocando os modelos projetados que desfilavam. Algumas situações eram protagonizadas
por grupos de pessoas que já se conheciam, mas muitas vezes desconhecidos se
juntavam em coro para estimular as mudanças comportamentais nos modelos
projetados. Essa inclusive é uma das principais características do espaço de
recepção configurado por esta obra: a formação de grupos efêmeros, compostos
por indivíduos que se descobrem parceiros de um jogo, a partir da proposta da
obra. Também foi possível observar entre os participantes um processo de
exploração do sistema dispositivo. Muitos espectadores
performers, ao perceberem que os sons produzidos por eles provocavam
mudanças nas imagens projetadas, começavam a procurar o dispositivo que
disparava tais mudanças, nesse caso, o microfone. Ao descobrirem o microfone,
posicionavam-se embaixo dele e intensificavam os sons emitidos: gritos, palmas
e assovios eram os mais comuns. Também tentavam se comunicar com os modelos,
geralmente através de gritos como: “Gostosa!”; “Tira a roupa!”; “Lindo!”; entre
outros.
O que
se observa no processo de produção e recepção de Pare de me ignorar é a configuração de uma situação laboratorial,
na qual a obra vai se desdobrando a partir da atuação dos agentes envolvidos
tanto na etapa de produção, quanto na etapa de recepção. A etapa de produção,
por exemplo, envolveu diversos profissionais. Suas atuações contribuíram para a
formatação final da obra, a partir de suas especialidades. Estevão Machado, designer e artista plástico, criou o
aspecto visual do projeto. Thiago Leão, produtor de moda, definiu o estilo dos
modelos. Os modelos escolheram seus gestos. Fernando Rabelo, responsável pela
montagem interativa, definiu limites e possibilidades. Sérgio Scliar, sound designer, estabeleceu a atmosfera
sonora. Todos dirigidos pela autora da obra, certa de seus objetivos com aquela
experiência, a partir de suas propostas de relações no espaço de recepção.
domingo, 9 de março de 2014
Não sei ser rótulo – 2009
A primeira instalação interativa desenvolvida durante o processo de
pesquisa aliada a um processo pessoal de produção artística, foi Não sei ser rótulo (2009), exposta em dois espaços totalmente
distintos entre si: a galeria do Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte, já
preparada para receber esse tipo de obra e a Praça da Estação, também em Belo
Horizonte, lugar de múltiplas dinâmicas e usos sociais. Ao analisar as etapas
de produção desta obra, constatamos um trabalho significativo de organização
dos elementos que fazem parte de seu sistema dispositivo que inclui: a
construção de um ambiente a partir da determinação de um percurso específico; a
criação de um circuito fechado de vídeo com uma câmera posicionada no espaço
interno e uma tela de televisão no espaço externo; e a programação de um
sistema de rastreamento da presença do espectador, composto por duas web cams que se transformam em sensores
de presença, possibilitando mudanças na projeção das imagens no interior do
ambiente interativo.
O principal
objetivo foi transformar a obra em um espaço propício para trocas coletivas.
Após a observação da sua experimentação pelos visitantes da galeria e pelos
transeuntes da rua, pudemos verificar como este objetivo foi alcançado de uma
maneira muito mais significativa pelo segundo público. Torna-se necessário então
compreender porque este público, não acostumado com a recepção de obras
artísticas, acabou apresentando uma relação mais significativa com a
instalação, transformando-a efetivamente em um espaço de sociabilidade.
Para De Certeau
(2009), a cidade está sempre nessa condição transitória, produzindo uma
consciência de performance contínua do lugar. O ato de mover-se pela cidade já
cria uma sensação de experiência social transitória. O espaço, como lugar
praticado, admite a imprevisibilidade. De Certeau destaca o cotidiano como
permanentemente inventado para permitir o fluxo da vida e aberto à criatividade.
O autor sugere que o andar define o espaço de enunciação, evocando uma coleção
inumerável de singularidades próprias da cidade, onde caminhos entrecruzados
dão suas formas aos lugares.
O indivíduo que
está em relação no cotidiano é produzido no ato de afetar e de ser afetado pelo
outro através de materiais significantes, com os quais lida diariamente. Ele
está constantemente suscetível ao acontecimento e ao imprevisível. Como espaço
de dimensões objetivas e subjetivas, o cotidiano é lugar da constituição dos
laços e da sociabilidade, tornando-se palco de uma teatralidade com cenas,
atores e enredos que se repetem e se renovam.
Voltando à
analise de Não sei ser rótulo, percebemos
um processo significativo de estabelecimento de relações entre público e obra
enquanto acontecia a sua exposição interventiva na Praça da Estação, dentro de
uma grande caixa colorida de sete metros de largura, seis metros de comprimento
e dois metros de altura. Nesse processo, o primeiro momento era justamente a
constatação de que aquele espaço público estava diferente do habitual. Após a
constatação de que seu cenário cotidiano havia sido transformado, muitos
transeuntes se viam curiosos com relação àquela grande caixa instalada no meio
do caminho para a casa, para a escola, o trabalho, etc. Aqueles que se
aventuravam a entrar, deparavam-se com uma passarela, identificada por um
tapete vermelho e com a projeção em tamanho natural de uma plateia entediada. Assim
que começava a caminhar pelo tapete vermelho, o transeunte, que nesse momento
já se transformava em um espectador
performer, provocava uma reação na imagem da plateia, que começava a
aplaudi-lo de forma cada vez mais eufórica, estimulada por seus movimentos.
Ao sair do
ambiente interno da caixa, o espectador
performer passava por uma nova surpresa. Outros espectadores, dessa vez
pessoas que estavam passando e que se deparavam com a televisão do lado de fora
da caixa exibindo seus movimentos, estavam efetivamente assistindo a este
espectador que se tornava cada vez mais um performer.
Foi possível observar durante o processo de recepção da obra dois tipos de
mudanças principais nos comportamentos dos espectadores
performers: no momento em que a imagem se alterava quando começavam a
caminhar pelo tapete vermelho e no momento em que saíam da caixa, deparando-se
com as pessoas que os assistiam. No caso desta instalação, eles se sentiam
observados por duas plateias: a plateia formada pelas pessoas projetadas, que
os estimulavam do lado de dentro e a plateia formada pelos espectadores que os
observavam do lado de fora. Muitos deles, após descobrirem que estavam sendo
assistidos pelos outros, entravam de novo na caixa, exibindo-se conscientemente
e intensificando seus atos performáticos. A intenção era clara: impressionar
essa plateia real, que por alguns segundos monitorava os movimentos de quem
estava desfilando dentro da caixa.
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